O que a comunidade de higienistas ocupacionais espera da proposta de revisão e atualização dos Anexos 11, 12, 13 e 13-A da NR-15?

Vários anseios estão sendo apresentados depois de publicados os textos para consulta pública em 30 de maio de 2022 (avisos de consulta pública nº 4/2022 e nº 5/2022 do Ministério do Trabalho e Previdência).

A Diretoria da Associação Brasileira de Higienistas Ocupacionais (ABHO) se reuniu inicialmente com alguns de seus associados, buscando melhor entendimento sobre os novos textos propostos para a NR-9 e a NR-15, antes de se manifestar oficialmente por meio da ferramenta da consulta pública até 31 de julho. A primeira providência emanada foi solicitar a ampliação do prazo de manifestação, conforme ofício encaminhado pelo Presidente da ABHO ao Coordenador de Normatização e Registro da Coordenação-Geral de Segurança e Saúde no Trabalho da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Previdência (vide ao final). É expectativa da Diretoria da ABHO poder ampliar a participação dos profissionais de Higiene Ocupacional brasileiros nas propostas de alteração a partir da realização, em agosto, do Congresso Brasileiro de Higiene Ocupacional (CBHO). Nesse sentido, já há, em sua programação, temática e palestras que possam esclarecer sobre as bases que norteiam as alterações nos textos legais para a NR-15 e a NR-09 nos aspectos do reconhecimento, da avaliação e do controle dos agentes químicos nos locais de trabalho e da neutralização e eliminação da insalubridade. A ABHO, desde seu primeiro Congresso em 2006 e por meio das Moções dos CBHOs 2010 e 2018(*), já havia manifestado seu interesse em participar das discussões para atualização da NR-15, mas, até o momento, não teve a oportunidade esperada para essa colaboração, além do que se apresenta.

Em uma primeira análise, são indicados aos leitores suas preocupações gerais e expectativas. No decorrer do prazo, a Associação buscará promover outros entendimentos para colher os subsídios técnicos necessários visando à construção de uma proposta legal adequada para o controle da exposição aos riscos ambientais por meio da ciência da Higiene Ocupacional. Todo esse esforço estará voltado para a prevenção e a proteção da saúde dos trabalhadores no País, missão principal da nossa atuação profissional.

Antes do fechamento da edição 67 da Revista, membros da ABHO e da Diretoria e do Conselho Técnico da ABHO se reuniram(¹) e puderam manifestar as preocupações abaixo apresentadas sobre aspectos gerais das propostas e aspectos específicos.

Não se trata de uma análise exaustiva, pretendendo-se ampliá-la, como já mencionado.

Questões de aspecto geral das propostas

• A questão principal reside no escasso tempo para a consulta pública. Há necessidade de um período maior para que os grupos especializados no tema possam debatê-lo e reunir suas sugestões.

• Os critérios de decisão de uma situação de exposição ocupacional, tanto na NR–09 quanto na NR-15, devem ser os mesmos. Não se pode correr o risco de uma esquizofrenia normativa, quando uma norma diz que a situação está de acordo e a outra diz que não. As consequências evidentemente serão diferentes, na insalubridade e na adequação técnica da melhor prática, mas o critério de inadequação deve ser um só.

• Insistir na manutenção do Anexo 13 – AGENTES QUÍMICOS – para caracterização qualitativa da insalubridade é persistir em um erro quase secular, pois esse dispositivo tem sua origem em 1936, quando se chamava “Quadro das Indústrias Insalubres”.

• Atualmente a lista dos Limites (LT, TLV® ou LEO) é muito maior do que a existente em 1978. Por que, então, não considerar tudo o que está na ACGIH® e outros adotados por renomadas agências estrangeiras e internacionais? Caso não haja acordo para a utilização dos TLV® da ACGIH®, adotar a moda estatística (valor mais frequente) entre os que aparecem nos Limites de Exposição Ocupacional (LEO) de agências estrangeiras, comunitárias (Europa) e Internacionais. Reforçamos a importância de uma tabela única e completa de LEO.

• Deve-se evitar ser determinístico, sobretudo ao se falar de parâmetros técnicos estatísticos para a adequação da exposição, pois há várias opções conceituais igualmente competentes. Da mesma forma, isso deve ser observado ao se tratar da unificação de uma matriz exposição-dano, pois tal matriz adquire contornos específicos nos campos da higiene ocupacional e da toxicologia, dentro do PGR, sendo preferível que não se defina um “tamanho único” para todos os tamanhos e formatos de empresas e ocupações.

• Faz-se necessário que um glossário técnico contendo as definições, alinhadas com as literaturas técnicas, esteja junto a cada anexo.

Questões técnicas específicas

• NR-15, Anexo 11, item 2 – Deve ser explícito que, havendo exposição inadequada pela via dérmica, a adequação da exposição com os dados da via respiratória não pode ser validada em nenhuma hipótese e será inconclusiva.

• As exposições dérmicas aos agentes químicos com notação Pele devem ser avaliadas para estimativa da exposição e comparação com a dose equivalente do valor de referência (LEO). Além disso, deve-se abordar os efeitos aditivos em função da exposição concomitante da via inalatória e cutânea.

• NR-15, Anexo 11, item 4 – Deve ser esclarecido que os agentes que não podem ser ultrapassados em nenhum momento são os valores teto (T). A explicação sobre o limite de curta duração (CD) é dada apenas no item 3.1.2 do Anexo de Agentes Químicos da NR-09, devendo ser trazida para este Anexo. Adicionalmente, há limites de curta duração com tempo padrão, geralmente, de 15 minutos (STEL), tipo média ponderada no tempo, interpretados diferentemente dos limites teto.

• NR-09, Anexo XX: Agentes Químicos, item 5.3.d – valor de corte ou limite de concentração em misturas, para considerar exposições como “não ocupacionais”, carece de maior explicação e até exemplos, pois pode haver mal-entendido com a tabela. Observe-se que, por exemplo, pode haver o entendimento de que 1% é uma baixa exposição, porém, no ambiente, 1% são 10.000 ppm. Então, é preciso esclarecer a que se referem tais porcentagens para que se evitem intepretações futuras perigosas para os trabalhadores.

• Como apontado, aparecem vários descritores estatísticos de exposição, o que pode causar controvérsia, alguma confusão e dificuldade de decisão.

Encontramos:

a) em modelagem semiquantitativa (NR-09: item 6.6), o limite superior da mediana com confiança de 95%;
b) na avaliação quantitativa com até cinco medições (NR-09: itens 6.7.1.1, 6.7.1.1.1, 6.7.1.1.2 e 6.7.1.1.3), a média geométrica;
c) na avaliação quantitativa com seis ou mais medições (NR-09: item 6.7.1.2), o limite superior de confiança a 95% da média aritmética estimada para uma distribuição lognormal;
d) na caracterização de insalubridade (NR-15: item 3.1), a média aritmética; e
e) a proposito, a NR-07, em vigor, na definição da periodicidade de exames radiológicos para expostos à sílica, ao asbesto e ao PNOS, define “Limite superior do intervalo de confiança da média aritmética estimada para uma distribuição lognormal com confiança estatística de 95% (LSC)” (Quadros 1 e 2) e “CLSC (95%) ou percentil 95 = concentração calculada estatisticamente com limite superior de confiança 95%” (sic) (Quadro 3).

• Acreditamos que haverá certa confusão e situações em que uma alternativa de avaliação indique adequação, enquanto outra não, de modo a aumentar a insegurança jurídica e a dificultar a gestão das exposições e proteção à saúde dos trabalhadores.

• ADICIONALMENTE, deve ser lembrado que a média geométrica é o descritor menos indicado, em qualquer situação, como alertado pela American Industrial Hygiene Association (AIHA) já em 1998 (segunda edição do Manual da AIHA). A média geométrica é sempre MENOR que a média aritmética e, se algum dos valores medidos for “zero”, a média geométrica será ZERO. Sendo assim, esta é uma grande incongruência para com a exposição sofrida pelo trabalhador em qualquer caso.

• Deve ser lembrado que, atualmente, um dos melhores descritores de média (porém não recomendado como único por subestimar a exposição) é a média sem viés de mínima variância (MVUE).

• O descritor, a salvaguarda estatística “equilibrada” mais sensata e o parâmetro utilizado amplamente por outras regulamentações, é o ponto percentil 95 da distribuição com 70% de confiança, pois tal providência promoverá um equilíbrio entre “falsos positivos” e “falsos negativos” nas decisões sobre uma situação de exposição. Este último descritor, inclusive, é adotado como parâmetro estatístico regulatório na França, estabelecido unissonante como parâmetro estatístico para avaliação da exposição pelas British Occupational Hygiene Society (BOHS) / Dutch Occupational Hygiene Society (NVvA) / Belgian Society for Occupational Hygiene (BSOH) e pela EN689:2018 e ainda foi acordado como o critério de tolerabilidade das exposições pela AIHA no curso preparatório para o programa de registro de especialistas em análise de decisão da exposição.

• O critério de aceitabilidade da exposição deve considerar teste preliminar e teste de conformidade para o grupo de exposição similar. Além destes, deveria considerar o teste de conformidade individual, quando recomendado pela boa prática.

• As propostas devem permitir uma abordagem gradativa para avaliação da exposição, detalhando o uso de ferramentas pragmáticas (Control Banding e similares) e modelagem matemática e possibilitando a aplicação de dados sub-rogados (analogia estruturada com exposições similares). Uma abordagem gradual do conhecimento e da gestão das exposições tem que ser acolhida, e o uso normal da tecnologia (que irá evoluir sempre) ser aceito e encorajado.

• Também carece orientação sobre valores abaixo do limite de quantificação analítico de amostras ocupacionais, o que, no geral, remete à necessidade de anexos orientativos suplementares para tratamento de dados censurados.

Questões legais específicas

• A CLT estabelece que a caracterização da insalubridade se dará quando exceder o Limite de Tolerância. Por esse ângulo, o Anexo 13 não tem amparo na Lei nº 6.514 de dezembro de 1977 (Artigos 189 e 190).

• Há uma questão de denominação que precisaria ser observada para propiciar segurança jurídica (Lei nº 6.514 – Artigo 189). Na Revisão, foi adotado o Limite de Exposição Ocupacional, mais correto, sem dúvida, mas diferente da base legal, Limite de Tolerância.

Outros pontos surgiram também para reflexão, manifestados por higienistas membros da ABHO. Destacamos as palavras do ex-presidente da ABHO e que foi o coordenador do grupo que elaborou a NR-15 em 1978, HOC José Manuel Gana Soto:

“1 – Em vários momentos dos textos propostos se fala em harmonização com normas internacionais, tais como ACGIH®, NIOSH e outras. A proposta não reflete este princípio, visto que:

a) São propostas duas tabelas, uma para exposições de 8h/dia e 40h/semana, outra para exposições de até 48 horas por semana;
b) seria altamente recomendável, citar simplesmente a tabela de AQ da ACGIH® da última edição, como parâmetro a ser usado, com a vantagem de ter atualização anual;
c) caso não haja acordo e coragem para esta recomendação, publicar somente uma tabela baseada na ACGIH® com todos os agentes citados e mais alguns de interesse da comunidade técnico-científica e de desenvolvimento do país;
d) em meu modo de ver, não há necessidade de fazer “reajuste” aos LEO para 44 ou 48 horas por semana. A tabela da ACGIH® válida para 8 horas dia e 40 horas por semana pode ser usada diretamente, salvo em casos muito específicos, os quais devem ser estudados em profundidade (ex. trabalho em plataforma de petróleo, mineradoras, jornadas especiais etc.). Na maioria das vezes, os trabalhadores ficam à disposição das empresas por 8 horas ou um pouco mais, sendo a exposição real aos riscos de menos de 8 horas. Um estudo validando esta premissa não seria muito difícil de realizar e desta forma tomar uma definição clara para adotar ou não, a tabela da ACGIH® como publicada em sua origem.

2. A proposta de norma dá uma importância fundamental à identificação de perigos, avaliação de riscos, dando orientações referentes de como avaliar. Em direção oposta fica mantida para a caracterização de insalubridade uma lista de “atividades” insalubres por inspeção qualitativa. Como exemplos:

• Destilação de petróleo. Atividade: processo químico de destilação. Se ele ocorrer em circuito fechado, não há contato com os trabalhadores e, portanto, não há risco de exposição potencial aos componentes dos vapores orgânicos da mistura sendo processada. Se há fugas para o ambiente será necessário identificar quimicamente os componentes, quantificá-los, verificar as medidas de controle para depois emitir julgamento profissional. Se há exposição acima do LEO e possível contato dérmico, podemos caracterizar a insalubridade e não por simples atividade. Isto não é avanço, e sim retrocesso, e as normas ficam contraditórias.

• Uma pérola: fabricação de emetina e pulverização de ipeca, operações com o timbó, pergunto, estas substâncias têm número CAS?

• Fabricação de projéteis incendiários, explosivos e gases asfixiantes à base de fósforo branco. Pergunto: estes não são submetidos a normas de prevenção e de proteção ao trabalhador? No mínimo, este item deveria ser eliminado por uma questão de ética.

3. O todo que se apresenta no Anexo ‘Agentes Químicos’ qualitativo deveria sair da norma, visto que é suficiente o critério quantitativo que identifica agentes e os quantifica, dando subsídios suficientes para o julgamento profissional.”

(*) Matéria Revista ABHO no 67

(¹) Participaram da análise inicial os higienistas: Luis Carlos de Miranda Júnior, Marcos Domingos da Silva, Maria Margarida T. M. Lima, Marcus Vinicius B. R. Nunes e Mario Luiz Fantazzini.

[mbuttons b_size=”buton-null” color=”b_green” transition=”buton-6″ url=”https://abho.org.br/abho/biblioteca/”]DOCUMENTOS REFERENCIADOS[/mbuttons]